é de papel
se nela se escrever
um poema.
Uma cidade
é de betão
se as mãos que escrevem
o poema erguerem muros
contra o silêncio.
Diário,Semanário ou Mensário de carácter literário. Todos os textos são originais. RESERVADOS OS DIREITOS DE AUTOR. José Miguel de Oliveira
e eu te encontre quando o sol estiver no momento do entardecer
não sabendo se vá ou se fique, amanhã vemo-nos de certeza.
Depois da tua aula de anatomia, depois da minha de geografia.
Vemo-nos porque tem de ser assim, vemo-nos porque os porquês
já não se admitem hoje e por isso é mais prático que nos vejamos.
Porque a tua é uma aula simples sobre o corpo
e a minha, igualmente simples, mas sobre a terra.
Vemo-nos depois das aulas que podiam ser ambas de metafísica
porque ambas são as duas, a minha e a tua estão antes da realidade
do mundo, do amor, da liberdade e da vida.
Vemo-nos amanhã, porque amanhã é um novo dia
os outros passaram na convicção histórica do que aconteceu
e filosófica futura do que teria sido se não acontecesse - assim.
Porque o sol não deixará de aparecer até que o último homem comprove
e na sua derradeira aparição o faça sorrir de tédio ou de cansaço.
Por saber que milhões e milhões de vezes o sol inspirou a vida
e a vida reconheceu a luz até à noite, amanhã vemos-nos.
Tu despida com a pele daquele vestido de seda ou de cetim
que te torneiam o corpo de mulher pronta e madura.
E eu despido também, mas com um nó de certezas na gravata
de que essa tua aparição é tão exacta como se estivesses
de bisturi na mão pronta a abrir-me as entranhas
na convicção de recolheres nas vísceras a minha alma.
Estarei com as mangas da camisa arregaçadas
para que comproves que os meus braços
em volta do teu corpo têm a mesma latitude.
Vemo-nos amanhã, para nos tornarmos
anatómica, geográfica e histórico-filosoficamente unidos
num abraço que dispensa o sol.
Afinal a noite traz o benefício de guardar a luz
para que os homens e as mulheres se conheçam pelo tacto.
Pour Ana Beatriz et son héros Gulliver
Tu verras, nous retournerons au point de départ
Et nous danserons ensemble vers l’oubli.
Peut-être que je n’arriverai plus chez toi
Il est peu probable que je trouve le chemin de retour.
Mes pieds s’emmêlent dans les cheveux
Et je suis fatigué de lutter contre les interminables murs
de tissu capillaire
la brutale machine de la trame des discours de dieu.
Dix canifs poussent de mes mains
Chacun est un couteau pour trouver le chemin
Chacun est une arme blanche pointée vers l’oubli
Chacun est un couteau pointé vers le mot oubli
Ou aux mots chemin et oubli.
Je garde dans mes poches les papiers que tu m’a donné
Les noms qui ont inventé chaque lettre de l’alphabet
La lettre qui a dessiné les numéros et les jours de la semaine.
Je suis couché à compter les jours, tu sais
Je ne sais pas d’où me sont nées les racines que j’ai dans les yeux
Chacune est un fleuve dans les miroirs, un morceau de moi dans les miroirs
Comme un bateau ancré ou à la dérive dans ce siècle.
J’écris pour lutter contre la folie de mourir à l’intérieur
Me souvenir de la pré histoire d’être lá avec moi, quand était-ce ?
Je ne sais pas quand sont nées ces cicatrices dans la chair ou dans les yeux
Certainement dans ton premier cri
Comme cent violons au plus profond de moi-même
Un hymne à la certitude de rester ici .
J’attendrai que le calendrier nous ramène vers le début
Et me rende dans la peau les années perdues dans ces papiers.
Qu’il me rende la certitude de ne pas oublier
Et dans les autres siècles de me souvenir
Du jour où je reviendrai, mon amour.
(agradeço a tradução à minha amiga e colega Sílvia Rodrigues)
Poema premiado na IX edição do concurso nacional de poesia Agostinho Gomes em Oliveira de Azeméis
Obrigado Sílvia. Também foi teu este prémio. Concorreste sem me dizeres nada e ainda por cima colocaste o pseudónimo de Prometeu agrilhoado a estes versos.
O inverno não é uma estação do ano. O inverno não é o frio, a neve, nem a chuva torrencial. O inverno é este corpo num pijama e estes cobertores na escuridão dum quarto, só. O inverno não é o Inverno dos bonecos de neve, dos pés à lareira com um copo de vinho partilhado. O inverno não é o Inverno da ceia de natal, nem dos presentes. O inverno é a ausência do calor do teu corpo, do raio de luz que desponta da retina dos teus olhos. o inverno são estas mãos frias da ausência de outras mãos. O inverno é a geografia humana deserta do horizonte. O inverno é este inferno e Sartre estava enganado.
J.M.Oliveira 27/I/2006