2019-03-29

Lara

Sabes filha, ainda lembro aquele dia
em que adormeceste pela primeira vez nos meus braços.
Regressavas das águas onde cresceste como um girino
aproveitando a abundância do plâncton da tua mãe
para te transformares em peixinho.
Aos primeiros raios de luz já eras uma sereia. 
Quando secaram o teu corpo e a tua cabeça emparedou no meu coração
para sermos um violino eu e tu. 
O dó, ré, mi, fã, lá, si, dó 
das sístoles e diástoles
do nosso hino à alegria
como se fossemos as cordas
e o instrumento
das mesmas notas musicais
dos ideais da Europa.
Li nas escamas tatuadas na tua pele
uma sinfonia de paz que me adormeceu
ao som de Beethoven
como se sonhasse um novo mar por navegar.
E senti reincarnar em Camões
com o desejo de avistar a Índia
ou âncorar outra vez
na ilha dos amores para te deixar um mapa.
Tentei escrever na mesma língua
e com as mesmas notas musicais.
Trauteei o dó, ré, mi, fá, lá, si, dó
como se pensasse com a cabeça
de um amblíope e de um surdo num só
ou o arbítrio da visão e dos tímpanos
que se quiseram fechar
por genealidade poético-musical de um Ludwig.
E agora?
Como um náufrago que regressa do fundo do mar
ou à corrente que me levantou
para prescutar a beleza do primeiro tom
da tua voz de menina
e comprovasse nas tuas mãos
o dedilhar das cordas de uma harpa
que quebrasse o encantamento
para que eu te pudesse reencontrar
nas palavras.
"Ainda podemos cantar papá?".
Sim! Ainda te guardo num aquário onde serás sempre um girino-peixe
transformado em sereia
com vontade de nascer do oceano
deste poema.
E mesmo que se desafine o meu coração
na sua arritmia, esse sopro vital da poesia do meio
e ao centro das tuas irmãs
que irradia da luz dos teus olhos.
Porque me desenhaste também
dentro de ti, para comprovarmos
a estrela polar, a lua e o sol. 
No céu noturno está escrito
o nosso sonho e os teus sorrisos nas águas que me amanhecem nos olhos.
Aquele porto e aquela praia onde mergulhamos
aqui e além mar.
É no espelho dos teus olhos
da mesma cor centrípeta
dos sargaço que conservam a doçura do mel
que se revela o mistério
da profundeza das águas
e do abismo...
Daí regressarei um dia
para te escutar outra vez:
"Também te amo muito papá! ".

Acenarei que sim
e ficarei sempre contigo
para um novo hino à alegria
Larinha.

José Miguel Oliveira
(para a Lara no dia em que fez 13 anos)