2010-07-03

As mãos

as tuas mãos são as mãos mais perfeitas meu amor
e tu bem sabes porquê.
as tuas mãos não são mãos,
mas um círculo em redor de mim
como os anéis em redor de Saturno.
as tuas mãos são como o tronco de heras
que cresce em volta do pinheiro manso no nosso jardim.
tu sabes que o pinheiro não se importa da companhia das heras.

as tuas mãos nunca enxugaram as lágrimas.
mesmo quando parti e as tuas lágrimas correram
correram com a mesma certeza que o rio corre para o mar
na exacta direcção das curvas do teu rosto
umas em direcção à boca
outras precipitando-se do teu queixo
como pingos de chuva, em direcção ao abismo da terra.
as tuas mãos nunca enxugaram lágrimas
porque a terra te pede humidade para crescer
e a tua boca água para matar a sede.

as tuas mãos são flores de veludo.
suaves lilases,
rosas,
orquídeas,
papoilas, margaridas…
as tuas mãos são beijos,
as tuas mãos são bússolas,
manhãs de céu primaveril
que me abrem a porta para comprovar o sol.
as tuas mãos são os teus dedos
e os anéis de noivado e da aliança.

às vezes as tuas mãos são o sal que tempera a comida
o açúcar exacto no café
as mãos de ferro que me brune as camisas
as mãos de aço que me levantam como gruas nos momentos difíceis.
outras vezes
as tuas mãos são pirómanas
porque incendeiam cada poro da minha pele
as tuas mãos também são rebeldes
mãos de carne,
de músculo e de osso,
mãos de coração arritmado
por força do compasso mútuo das nossas ancas,
mãos firmes que me fazem arder até mais não.

as tuas mãos desenham as mesmas palavras que a tua boca.
as tuas mãos escrevem cartas de amor
e nelas às vezes eu leio saudade
que é uma palavra complicada de traduzir noutras línguas
e outras mais naturais
como paz,
amor,
mãe,
irmão,
que são palavras simples sem prefixos nem sufixos,
nem aglutinações ou composições,
ou coisas demais complexas que as mãos não entendem.

as tuas mãos e as minhas nunca dirão adeus.
de mãos dadas
dizer adeus é impossível.

9 comentários:

OutrosEncantos disse...

Este poema me fascinou!
Já o li mil vezes!
Não tem comentário possível, apenas que é fascinante!

Betha Mendes disse...

"...de mãos dadas
dizer adeus é impossível..."

impossível não sentir a poesia das mãos que se instalou nas suas à procura destes versos e no conjunto deste poema!

Gabriela Rocha Martins disse...

um excelente complemento directo




.
um beijo

José Miguel de Oliveira disse...

agardecendo a generosidade de todos os vossos comentários... queria só dizer que este poema foi escrito há mais de cinco anos... numa altura em que não imaginaria ficar de mãos vazias e com vontade de um ADEUS.

Anónimo disse...

Caro poeta,
o seu poema é simplesmente genial, lúcido, apaixonante e muito profundo... de uma dimensão só alcançável para alguns...revela toda a pureza que habita no seu coração, em cada palavra encadeada... digno de um poeta cujas mãos não ficaram vazias.....pelo menos de sentimentos e da arte da escrita!
Um abraço,
L....

Cristiana disse...

Parabéns por este lindo poema... e por todos os outros que já tive oportunidade de ler e os acho igualmente lindos.

Encontrei o seu blogue numa pesquisa em busca de poemas para "florir" o meu pequenino espaço (onde será um prazer receber a sua visita) e gostei tanto dos seus poemas que quero pedir-lhe autorização para os publicar no meu blogue, dando-lhes, como é obvio, os devidos créditos.

(Desculpe usar este espaço para o pedido, mas não sabia outra forma de o contactar)

Obrigada.

Lídia Borges disse...

É um dizer muito profundo em que cada palavra carrega a verdade e luz de um sentimento.

O que importa, um dia, as mãos desejarem o adeus, se "um dia" não é o momento do poema? Esse sim,verdadeiramente indestrutível.

Um beijo

José Miguel de Oliveira disse...

Que seja para florir então ... Os meus poemas foram o suor e a água que se conjugou para florir ... É tudo o que eu quero...Abrir em flor e ser feliz por ter chegado perto do coração de alguém ...Obrigado

José Miguel de Oliveira disse...

Um poema eterno como a luz dos olhos das meninas, minhas filhas... Que elas conservem no ADN a minha vida e alma deste poema ...