2009-09-30

para ti que sabes decifrar o conteúdo latente deste sonho

Às vezes tu sonhas que estás presa dentro de um novelo da lã
de onde não consegues sair por não encontrares o fio à meada.

Às vezes sonhas que dentro desse novelo há teias infinitas
de ideais e teorias que alguma aranha teceu para te perderes
e por não encontrares saída sentes na barriga um frio subterrâneo,
como aquele que sentem os mineiros de volfrâmio
sepultados pelo gás da mina.

E se nesse sonho eu entrasse para te resgatar do pânico
com um lírio cortado atravessado na minha boca
e pela janela do sonho pudesse sair contigo à varanda
para estendermos num arame a roupa da cama depois de lavada
os mesmos lençóis e cobertores de lã com pequeníssimas linhas cosidas
na mesma teia que algum filósofo inventou, decerto para sonharmos

Ou então para eu te poder chegar uma, a uma, as molas
para prendermos o nosso sonho ao sol quando houvesse sol
e também ao vento quando ventasse para segurarmos as pontas.

Sabes, também tenho noites em que acordo perdido no alto mar
e procuro outro barco onde houver quem me saiba ler as estrelas.

2009-09-22

Havia na casa dos avós um sótão
onde a criança revolvia o passado
e dele nasciam ovos e embriões
de muitas mães celestiais
que eram truncados
pelo desejo dos filhos.
(...)Havia na casa dos avós
portas impensáveis por abrir
e a criança concebia uma máscara
para fingir que se encontrava
prisioneira do seu tamanho
porque estava sempre de cócoras
no presente e o futuro
era um tempo de outra altura.
(...)Até que um dia
a criança se levantou do silêncio
e voou da janela de casa
para que os pais assistissem
ao seu nascimento donde do fundo
da carne, da pele e dos ossos
se escreveu no céu uma nova língua
e se ergueu outra cidade.