2009-05-12

Guardo todos os amigos
num lugar
muito antigo.

Eles entram-me em casa
como os amantes

de braços abertos
para nos apertarmos sem
misturarmos a raça
nem termos cadilhos de sangue
a pedir-nos o pão.

Os amigos que temos
de ter sempre
prontos para largar
como o vício do tabaco
a que ficamos agarrados
e que mesmo que se abandone
na verdade não nos abandona.

Os amigos que quando não
se encontram há muito tempo
parece que conservam a mesma
idade porque ainda trazem vestidos
os mesmos trapos de lã
que nos agasalharam
do frio glaciar onde caímos.

2009-05-07

*
A minha angústia não és tu, mas o desejo de tornar silenciosos os momentos para que o abismo dos dois jamais se volte a pronunciar, para que as nossas vozes se diluam num grito uníssono que a tua existência em mim tornou possível. Para que a minha voz deixe de ser a minha voz, e a tua, a tua, para que as nossas vozes não sejam apenas as nossas vozes, as nossas vozes um no outro, para que noutro lugar, noutro tempo, noutro espaço, onde houver silêncio, haja a marca edificante do amor, como qualquer coisa além de nós fundada pela presença que tivemos mutuamente.
A minha angústia não és tu, nem eu. A angústia é a certeza da minha aniquilação, a certeza do fim do tempo que tenho para cantar contigo, a certeza do definhamento dos meus gestos, das minhas palavras, a certeza de que, depois de mim, não te hei-de pertencer, não me hás-de pertencer.
Porque. Porque a minha angústia é ímpar e minha. Depois de mim nem sequer o sentimento de ter sido simplesmente um homem com medo de um dia deixar de te escutar.
Não. Não mais o cansaço de te de guardar até ao limite do incondicionado. Entrego-te à sorte de seres um barco ou avião de papel a esvoaçar das mãos da criança que eu era.
E então voltarei a ser apenas um homem.
* (para os que desconfiavam que eu não escrevia prosa)

2009-05-05

Há em todas as mulheres
um presságio de mãe
que a implosão dos filhos
augura em seu interior.

Há em todas as mulheres
um regaço húmido e quente
em que os filhos perduram.

Há em todas as mulheres
um mar de sargaços
e girinos com cabeças de alfinete
à espreita da oportunidade
cirúrgica para dilacerar em seu íntimo
a sua fonte
e a sua verdade.