2009-02-17

Eu gostava de te dizer, amor só
para que saibas como
uma notícia de jornal escrita na
primeira página
que alguém te lê ao acordares
uma notícia que ninguém
espera como a morte.

Eu gostava de te dizer, amor antes que seja tarde
e se souberes ler o jornal olhos nos olhos
sem as lágrimas despoletadas pela circunstância
compreenderás que às vezes
o amor se escreve ao contrário
se escreve com as mesmas letras da cidade onde mora o papa
e é só isso.

Eu gostava de te dizer, amor mesmo depois
de me ter ido embora,
se te lembrares da carne que um dia fomos
perceberás que as letras com que o amor se escreveu não importam
se olhares para o fundo de nós amor
os teus olhos nos meus
a mesma luz que um arrepio bastou para apagar.

Eu gostava de te dizer que o nosso amor
foi muito mais do que as suas letras ao contrário
o nosso amor nunca se importou com o seu desenho
e se não quiseres que ele possa ser mais nada
a não ser este amor escrito e de papel
este amor num poema como notícia de primeira página
as letras da cidade ao contrário na primeira página...

Eu gostava de te dizer
gostava de ter sido eu a dar-te a notícia
sempre soube que o nosso amor
haveria de queimar como um trapo
por culpa de Pedro e dos cristãos
dessa cidade AMOR onde fomos imperadores
tu e eu como Nero a ver ROMA a arder e a cantar.

2009-02-11

Manual de piro mania

Acabou de ruir. O desmoronamento foi provocado por um incêndio
no segundo andar onde um curto-circuito lhe incendiou o coração.

Há apenas uma vítima mortal a registar para além dos danos materiais avultados que implicam a reconstrução completa do edifício.

O porta-voz dos bombeiros afirmou que houve intenção criminosa
por detrás deste incêndio, dado que o coração da vítima mortal
apresentava nitidamente marcas de fogo posto.

A fonte energética usada pelo incendiário deverá ter sido feromona
com mistura de adrenalina num lança olhares
- produtos altamente inflamáveis e expansíveis.

Face à presença das labaredas que deflagraram no segundo piso
o coração da vítima foi incapaz de resistir
e acabou por falecer com queimaduras de terceiro grau.

A polícia não acolheu o álibi do presumível incendiário
e considerou provado que este tenha ateado o lume no segundo andar
de um piso de construção antiga e sem plano de emergência.

O incendiário afirmou que aquela hora se encontrava nu
e totalmente disponível para o amor
no mesmo prédio, no segundo andar e sem se queimar.

2009-02-03

Poema da decomposição

Este é o poema da decomposição
O poema da decomposição dos ossos da cabeça
frontais
temporais
parietais e occipitais.

O poema sobre a decomposição dos ossos da face
malar
maxilar
nasal e mandíbula.

O poema sobre a decomposição dos ossos dos ouvidos
martelo
bigorna
e estribo.

O poema sobre sobre a decomposição dos ossos do pescoço - hióide
e da cintura escapular
- omoplatas e clavículas.

Da decomposição da falta de ar do tórax - esternos e costelas
Da dos ossos começados por U como úmero
por R como rádio e que toca no lugar perto do cúbito.

Da decomposição do ossos das pernas - Fémur, tíbias e perónios
Ossos das mãos que são escafóides e semilunares que saltam trapézios
metatarsos, metacarpos
falanges, falanginhas e falangetas…

E ossos pélvicos com nomes púbicos que guardamos na cabeça
E o cóccix
de onde desaguam
a física das moléculas orgânicas e inorgânicas
astro-física e física das partículas atómicas
princípios de incerteza e teorias da relatividade.

Este é o poema da decomposição do músculo do coração a compasso
– sístole e diástole.
E das descargas eléctricas, protões e neutrões dentro dos átomos
e taquicardias e arritmias que descompassam o compasso
e vagões de protões e neutrões nos comboios a compasso também.

E mentes inquietas dentro dos comboios com os ossos por dentro
ossos de homens, mulheres e crianças com a sua filosofia
o princípio da natureza de que tudo é livre em ser livre de o não ser.

Este é o poema da decomposição.